Ao longo da vida tive muitos professores marcantes. Muitos. Alguns se tornaram inesquecíveis pelo apego aos ideais, por sua luta diária com o ensino público no Brasil, pelas dificuldades enfrentadas e vencidas com muita criatividade. Outros serão lembrados pelo seu jeito inusitado de ensinar, e muitas vezes bateram de frente com o sistema, com as regras, com a sociedade e sua concepção engessada da educação, com nossos próprios preconceitos. Ainda haverão os que se fizeram recordar pela antipatia, pelo rigor desnecessário, pelo relacionamento ruim que tive com eles. Porém, cada um deles conseguiu me ensinar muito mais que somente o programa escolar sugerido. É impossível que um professor, ainda que mal formado, incompetente ou insatisfeito, não dê algo de si mesmo numa sala de aula, além dos seus conhecimentos.
Lembro-me de um professor no colégio, meio doidão, da cadeira de Filosofia. Eu estudava numa escola municipal, uma das pouquíssimas de alto padrão existentes no país. O professor, nem lembro mais o nome. Magrelo, barbudo, daqueles intelectuais pré-Lula, esquerdistas ferrenhos. Os discursos inflamados dele eram inspiradores, e ele colocava lenha na turma inteira!
Havia um trabalho em grupo cujo tema era Liberdade de Expressão. A apresentação também era livre: a gente podia escolher como abordar o tema da forma que quisesse, com um ensaio, uma dissertação, uma peça de teatro, enfim...Obviamente que a turma ficou eufórica querendo apresentar o melhor trabalho. Meu grupo eram uns 5 meninos e eu, e eles todos tocavam algum instrumento e curtiam rock. Resolvemos explorar o talento dos meus colegas e anunciamos que nossa apresentação seria no auditório. Os caras montaram uma banda no palco, e escolhemos direitinho a música: Sexo - do Ultraje a Rigor. Quando os meninos começaram a tocar no auditório que era somente uma sala muito grande com cadeiras, sem nenhum isolamento acústico, a música alcançou a escola inteira, e de repente o auditório foi ficando cheio, cheio, cheio, e todo mundo abandonou as salas de aula para protestar com a gente:
E só porque
Aparecia uma coisa
Que todo mundo conhece
Se não conhece
Ainda vai conhecer
E não tem nada de mais
Se a gente nasceu
Com uma vontade
Que nunca se satisfaz
Verdadeiro perigo
Na mente dos boçais...
A confusão gerou uma proporção incontrolável... Como controlar uma multidão de adolescentes decididos a valer seu direito à liberdade de expressão? Só lembro que o professor malucão era o que mais se divertia e cantava e pulava, de pé sobre uma das cadeiras... Foi um momento glorioso!
Claro que a história não acabou bem para ele. Tomou uma ferrada do Diretor, obviamente. O que só fez valorizar o caso, pois no dia seguinte, lá estávamos todos, nós alunos, empunhando cartazes de protesto e usando um esparadrapo na boca. Usamos o esparadrapo uma semana, uns mil jovens, e a coisa cresceu tanto que o conselho estudantil foi assediado pelo Estado de Minas e pelo MG TV. Aparecemos em primeira capa: Alunos da rede pública fazem valer seu direito à Liberdade.
Sei que muitos colegas meus daquela época são hoje médicos, advogados, publicitários, engenheiros... Não posso deixar de pensar que um pouquinho do que somos hoje devemos à mente livre daquele professor meio maluco e meio maconheiro.
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