quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Um dia na vida dele e dela

6:00



Ela acorda toda animada, toma um banho demorado ouvindo Like a Virgen, faz escova no cabelo, toma um desjejum caprichado à base de proteínas e vai para o trabalho toda feliz, afinal é o seu aniversário de namoro.
Ele acorda mal sabendo que dia é hoje, toma banho e faz a barba em menos de meia hora e sai reclamando do trânsito.






10:00


Ela checa o e-mail a toda hora para ver se ele mandou algum cartão eletrônico, olha o celular de segundo em segundo para ver se ele mandou mensagem e cada vez que alguém entra em sua sala ela acha que é uma entrega da floricultura. Mas nunca é.
Ele está pensando em comer um bife bem suculento no almoço. 







12:00


Ela come uma saladinha rápida e corre para o shopping para comprar um vestidinho novo, afinal a única razão pela qual ele não mandou nenhuma mensagem até agora é que está preparando uma surpresa para a noite e ela quer estar linda!
Ele almoça com os colegas tendo um papo agradável sobre futebol e investimentos enquanto come um bife suculento.







15:00


Ela está ansiosa cogitando qual será a surpresa e não consegue se concentrar no trabalho.

Ele está tendo um dia de cão no trabalho pois os fornecedores não cumpriram o prazo, os clientes estão segurando um pagamento vultuoso e a diretoria não pára de mandar e-mails pressionando. Ainda por cima ele tem que apresentar um balanço numa reunião que provavelmente vai levar a tarde toda e ele não consegue pensar em mais nada a não ser uma forma de acabar o dia sem ter um colapso nervoso.






18:00


Ela está a caminho de casa toda sorridente, torcendo para que dê tempo de depilar as pernas.
Ele está a caminho de casa furioso com o trânsito e torcendo para que o jogo seja televisionado no seu canal de esportes preferido.






20:00


Ela está toda produzida no sofá pensando nervosa por que ele ainda não foi buscá-la. 
Ele está jogado no sofá com uma cerveja em uma das mãos e o controle remoto na outra.





22:00


Ela está jogada na cama aos prantos, comendo uma barra de chocolate e sem acreditar que ele esqueceu o aniversário de namoro. Está tendo idéias suicidas, homicidas e pensando em orgias com excessos de calorias. Pensando bem não... afinal, ela sofre tanto na academia para destruir tudo numa noite de fossa.
Ele está frustrado, na cama, pensando como seu time jogou mal, como seu dia no trabalho foi terrível e um pouco chateado por que sua namorada nem deu um telefonemazinho para consolá-lo... Ele adoraria dar umazinha antes de dormir...

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Ser descartável



O século XX foi o século do desenvolvimento. Foram os cem anos que alteraram  todo o mundo da forma como era conhecido antes. Sabemos todas as consequências positivas e negativas que a tecnologia e a indústria trouxeram para o homem. Mas uma me preocupa particularmente. A cultura do descartável, conceito que já está ultrapassado na indústria devido aos impactos ambientais, mas começa a poluir as relações humanas.
Há nem tanto tempo assim, nossos avós usavam o mesmo carro por anos e anos. Um mesmo modelo durava até décadas. Assim era com a maioria dos produtos industrializados. De difícil acesso, o valor desses produtos estava relacionado a sua durabilidade. Hoje não é assim. A capacidade de produzir com incrível rapidez leva as indústrias a lançarem novos produtos diariamente. Os produtos são minuciosamente projetados para terem vida útil mínima, mesmo sendo fabricados com alta tecnologia, precisão e mesmo com todo o marketing para vender seu desempenho. As pessoas passaram a trocar de carro uma vez por ano. Outros bens como eletrodomésticos também são substituídos rapidamente. Roupas duram uma estação.
As primeiras grandes invenções se popularizaram e criaram objetos de desejo, em torno dos quais formou-se toda uma filosofia de status social. Ter significa ser. Tão acostumados a substituir as coisas, estamos agora começando a acreditar que também as pessoas são descartáveis. Se por um lado há uma supervalorização do indivíduo, e nossas atitudes todas estão voltadas para nós mesmos, a visão do outro passa a sofrer a depreciação proporcional. Quanto mais nos valorizamos, mais acreditamos que o outro não é suficiente para nos satisfazer.
Consequência disso é que as relações interpessoais estão cada vez mais frágeis e menos duradouras. As empresas tendem a substituir funcionários assim que eles se tornam ou pouco rentáveis, no lugar de investir para promover seu crescimento pessoal e entender por que uma pessoa produtiva está desmotivada. Se as pessoas estão num relacionamento, assim que ele se torna difícil ou passa por alguma crise, a tendência é crer que o parceiro pode ser substituído por alguém melhor, mais bonito, mais rico, mais jovem, mais interessante.
O grande problema dessa linha de pensamento é que as pessoas não se comportam como as coisas. Elas não tem um prazo de validade curtíssimo e não podem ser aperfeiçoadas com a substituição de um componente.  Os defeitos que desprezamos nas pessoas que substituímos continuam a atuar em nós mesmos, pois tendemos a odiar no outro o que odiamos em nós . E daí temos consultórios de psiquiatras lotados e muita gente solitária que não entende o fracasso de suas empreitadas, gente que não se basta, gente que não se completa, gente que vive à cata de um remendo, ou de um acessório conveniente para chamar de seu. Talvez, por isso, os casamentos dos artistas durem tão pouco. Por que eles lidam com pessoas à primeira vista incríveis e fascinantes que saem nas capas das revistas todos os dias. E talvez essas pessoas incríveis não sejam tão incríveis entre quatro paredes. Talvez elas sejam apenas humanas. A frustração é inevitável.
O padrão de exigência que temos com os outros não é o mesmo com que nos avaliamos. Em nós, tendemos relevar todas as falhas. Nos outros queremos tudo: beleza, maturidade, formação, sucesso, desempenho, charme, inteligência. Será que oferecemos à pessoas que procuramos tudo aquilo que demandamos?

Não quero que, com essa reflexão, fique subentendido que as pessoas não devam ser exigentes ao escolherem seus relacionamentos. Mas temos que ser exigentes num campo profundo e real. Focamos demais no que falta aos outros e de menos nas qualidades admiráveis que todo mundo tem. Muitas vezes elas estão ali, todas diante de nós, do jeitinho que esperamos. Mas por valores superficiais, não as notamos. 

Essa é uma forma segura de permanecer insatisfeito.