quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Menino ou Menina?




Eu nunca pensei seriamente em ter filhos. É verdade que esse tipo de sonho, como a maioria das minhas aspirações, eu deixei bem ao acaso, embalado na velha e vaga frase: Se acontecer...

Quando optamos pelo se estamos contando com a possibilidade de nunca acontecer. É mais prático. O que não vai acontecer não toma nosso tempo nem nos aflige com as várias possibilidades. Porém, às vezes algo com que não contávamos simplesmente acontece e aí nos vemos obrigados a construir todos os planos que deixamos de fazer por qualquer motivo, até por medo.

E foi assim que o teste de gravidez deu positivo. Mal comunicada a gravidez e mal recuperado o susto, me vi diante de tantas questões! É como se a simples tarja cor de rosa no teste de farmácia pudesse abrir nossa mente e colocar lá dentro todas as respostas: Você está feliz? Vocês vão se casar? Você prefere menino ou menina?

Essa é uma das grandes questões: Menino ou menina?

Cresci cercada de mulheres e esse é um universo que eu conheço bem. Bem mesmo. Toda mulher sabe que existe um mundo paralelo onde somente nós entendemos uma série de sentimentos. Aliás, sentimentos é a palavra que melhor define o mundo feminino. Não sei se são os ciclos hormonais, a influência da lua ou apenas uma característica típica do gênero, desenvolvida pelos milênios para preservar nossa espécie, fato é que toda mulher sente muito mais que qualquer homem qualquer coisa. Dor. Amor. Solidariedade. Ódio. Inveja. Compaixão. Isso faz parte de nós.

Então, quando penso em criar uma filha não vejo nenhum desafio. Só penso no prazer de ter uma igual, alguém que vou entender a cada dia como parte e extensão de mim mesma, e antes de mim, de minha mãe, avó, e toda uma geração de mulheres que acumularam valores, força e essa dor própria do sexo. Também penso em delicadeza e laços cor de rosa como estereótipo comum de quem adora coisas de mulherzinha, mesmo sabendo que as crianças, às vezes, gostam de nos contrariar, e preferem skates e guitarras elétricas a sapatilhas cor de rosa e pianos de cauda.

Mas criar um filho seria para mim um verdadeiro confronto comigo mesma, com meus valores, meus medos, minhas decepções. Isso por que entendo que apesar de todo o feminismo tarjado de igualdade, o mundo é dos homens.

Não se choquem, caras amigas, será que apesar de tudo o que vivem diariamente, ainda não entenderam isso? Sim, o mundo é dos homens, sempre foi, não sei se assim permanecerá, mas nadar contra a maré até hoje não nos trouxe nenhum alívio. E a culpa dessa propriedade é de ninguém menos que nossa, pois que os colocamos no mundo e não os ensinamos a dividi-lo conosco.

Todos os dias nascem milhares de meninos e o que eles aprendem de suas mães? É essa a grande questão que eu teria que descobrir. Ciente de que a única coisa que não gostaria de passar para meu filho é a ideia de continuidade. Terei eu o direito de ensiná-lo que o mundo precisa mudar, e que a minha parca contribuição para tanto é acreditar que o mundo pode ser diferente? Terei eu o direito de incutir em sua mente a necessidade de esperança, de comunhão, de amizade, de amor e de paz? Posso moldar uma pequena mente para crescer pensando um pouco diferente da maioria e transgredir a estupidez comum da humanidade, ensinar o respeito por tudo e a todos, as diferenças de cor, credo, sexualidade, a inutilidade do preconceito e da violência, o ser forte sem ser rude, o ser superior sem inferiorizar, o ser homem sem ser macho?

Ainda não sei.  Pois os planos que deveria ter feito ainda bem jovem, aqueles onde nascem as mães, deixei ao acaso. É preciso correr contra o tempo. Nove meses para resgatar uma vida de negligência.

Ainda outro dia, quando discutia o sexo dos anjos com o pai do meu  filho, ele acabou me esbofeteando taxativamente: há coisas sobre os homens que as mulheres nunca irão saber, simplesmente por serem mulheres e vice e versa. É verdade.

Mas ele não deixou de me tranquilizar, entre um carinho e outro, com a experiência de quem já é pai: sempre nasce uma mãe quando nasce um bebê.

Estou grávida de mim mesma.

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