Frequentemente ouço alguém dizer, até com
certo orgulho, que é muito feliz em seu relacionamento e que nunca briga com
seu parceiro. Quando ouço essas coisas não consigo deixar de ficar alerta. Está
claro para mim, num casal que nunca briga, que alguma das partes, ou ambas,
estão se anulando permanentemente para manter o relacionamento sem conflitos, o
que pode parecer saudável, mas pode também esconder uma catastrófica bomba
relógio.
Quando uma nova relação se
inicia, o primeiro momento é de fascínio. Tudo o que a pessoa faz é lindo. Mas
basta arrefecer o primeiro sopro da paixão para a gente começar a se chocar
com opiniões e comportamentos que não notávamos. Ou então, basta a intimidade
crescer para o defeito (que antes não nos incomodava) aparecer.
Porém, como todos sabemos,
ninguém é perfeito. Humanos que somos, defeito é o que não falta a ninguém, e
não são os defeitos que fazem a gente morrer de amores pelo outro, são as
qualidades. Amar é admirar mais as qualidades que odiar os defeitos.
Nessa descoberta do outro,
frequentemente, são necessários ajustes. Ninguém, salvo raríssimos casos
novelescos, nasce se encaixando perfeitamente em outra pessoa, é preciso aparar
as arestas para o clique ser definitivo. Afinal todo relacionamento precisa de
regras e limites. Existem as coisas que
vamos aceitar felizes, coisas que vamos tolerar com dificuldade e aquelas
com as quais não conseguimos conviver de forma alguma, não sem agredir a nós
mesmos. Tudo isso precisa ser esclarecido para se construir um relacionamento
saudável e satisfatório, porque de amor somente ninguém vive. É preciso também
boa dose de tolerância, respeito, generosidade e interesses futuros em
comum. Se pelo menos uma das partes não
tiver o temperamento extremamente dócil e tolerante, essa adaptação ao outro
vai passar por uma boa dose de conflitos.
Admiro os casais que conhecem a
arte da negociação pacífica. Porém, nem sempre é possível negociar. Às vezes a
saída só surge com aquela briga de arrepiar os ossos. E isso todo mundo teme. A
gente sempre acha que o relacionamento não vai sobreviver a um grande choque.
E se não
sobreviver, melhor. Um relacionamento em que ao outro não é permitido nunca
perder o controle e em que não exista nada que se possa perdoar, não era para
dar certo mesmo. Acaba junto com a briga e tarde. Os relacionamentos genuínos
são os que sobrevivem a tempestades.
É claro que não quero dizer com
isso que é legal brigar o tempo todo e por qualquer coisa. Brigar não é a primeira nem mais fácil saída. E são poucas – muito poucas – pessoas no mundo que
conseguem brigar com dignidade, ou seja, sem ofender, humilhar ou agredir o
outro. Mas uma boa chamada de atenção, uma discussão mais acalorada ou um DR
firme não mata ninguém. E o casal pode sair disso fortalecido. Claro, quando há
respeito e amor.
Brigas frequentes ou conversas
que sempre culminam em discussões são sinais evidentes de que há algo muito
errado. Mas não brigar nunca é um sinal de que alguém está sendo negligenciado,
ignorado e até mesmo oprimido na relação. Não brigar nunca significa ceder
sempre, e ceder sempre não é bom para ninguém. Quem cede sempre em suas
necessidades nunca as tem atendidas, e com o tempo, a mágoa e o rancor podem
sobrepujar o amor.
O importante num casal é saber
quando ceder e quando lutar. Casais inteligentes sabem escolher muito bem suas
batalhas, saem fortalecidos e se sentem mais apreciados e respeitados. Sabem
que é preciso estabelecer um sistema de troca, pois amar é dar e receber. Sabem
negociar com carinho. Sabem reconhecer o que é importante para o outro sem
jamais minimizar seus sentimentos. Sabem o que é manha e o que é papo sério.
Sabem se perdoar e reconhecer quando passaram dos limites. Sabem pedir no lugar
de exigir e sabem que um não hoje pode significar um sim amanhã.
E sabem quando uma bela briga
pode apimentar o amor.