Eu nunca pensei seriamente em ter filhos. É verdade que esse
tipo de sonho, como a maioria das minhas aspirações, eu deixei bem ao acaso,
embalado na velha e vaga frase: Se acontecer...
Quando optamos pelo se
estamos contando com a possibilidade de nunca acontecer. É mais prático. O que
não vai acontecer não toma nosso tempo nem nos aflige com as várias
possibilidades. Porém, às vezes algo com que não contávamos simplesmente
acontece e aí nos vemos obrigados a construir todos os planos que deixamos de
fazer por qualquer motivo, até por medo.
E foi assim que o teste de gravidez deu positivo. Mal
comunicada a gravidez e mal recuperado o susto, me vi diante de tantas
questões! É como se a simples tarja cor de rosa no teste de farmácia pudesse
abrir nossa mente e colocar lá dentro todas as respostas: Você está feliz?
Vocês vão se casar? Você prefere menino ou menina?
Essa é uma das grandes questões: Menino ou menina?
Cresci cercada de mulheres e esse é um universo que eu
conheço bem. Bem mesmo. Toda mulher sabe que existe um mundo paralelo onde
somente nós entendemos uma série de sentimentos. Aliás, sentimentos é a palavra
que melhor define o mundo feminino. Não sei se são os ciclos hormonais, a
influência da lua ou apenas uma característica típica do gênero, desenvolvida
pelos milênios para preservar nossa espécie, fato é que toda mulher sente muito
mais que qualquer homem qualquer coisa. Dor. Amor. Solidariedade. Ódio. Inveja.
Compaixão. Isso faz parte de nós.
Então, quando penso em criar uma filha não vejo nenhum
desafio. Só penso no prazer de ter uma igual, alguém que vou entender a cada
dia como parte e extensão de mim mesma, e antes de mim, de minha mãe, avó, e
toda uma geração de mulheres que acumularam valores, força e essa dor própria
do sexo. Também penso em delicadeza e laços cor de rosa como estereótipo comum
de quem adora coisas de mulherzinha, mesmo sabendo que as crianças, às vezes,
gostam de nos contrariar, e preferem skates e guitarras elétricas a sapatilhas
cor de rosa e pianos de cauda.
Mas criar um filho seria para mim um verdadeiro confronto
comigo mesma, com meus valores, meus medos, minhas decepções. Isso por que
entendo que apesar de todo o feminismo tarjado de igualdade, o mundo é dos
homens.
Não se choquem, caras amigas, será que apesar de tudo o que
vivem diariamente, ainda não entenderam isso? Sim, o mundo é dos homens, sempre
foi, não sei se assim permanecerá, mas nadar contra a maré até hoje não nos
trouxe nenhum alívio. E a culpa dessa propriedade é de ninguém menos que nossa,
pois que os colocamos no mundo e não os ensinamos a dividi-lo conosco.
Todos os dias nascem milhares de meninos e o que eles
aprendem de suas mães? É essa a grande questão que eu teria que descobrir.
Ciente de que a única coisa que não
gostaria de passar para meu filho é a ideia de continuidade. Terei eu o direito
de ensiná-lo que o mundo precisa mudar, e que a minha parca contribuição para
tanto é acreditar que o mundo pode ser diferente? Terei eu o direito de incutir
em sua mente a necessidade de esperança, de comunhão, de amizade, de amor e de
paz? Posso moldar uma pequena mente para crescer pensando um pouco diferente da
maioria e transgredir a estupidez comum da humanidade, ensinar o respeito por tudo e a todos, as diferenças de cor, credo, sexualidade, a inutilidade do preconceito e da violência, o ser forte sem ser rude, o ser superior sem inferiorizar, o ser homem sem ser macho?
Ainda não sei. Pois
os planos que deveria ter feito ainda bem jovem, aqueles onde nascem as mães,
deixei ao acaso. É preciso correr contra o tempo. Nove meses para resgatar uma
vida de negligência.
Ainda outro dia, quando discutia o sexo dos anjos com o pai
do meu filho, ele acabou me esbofeteando
taxativamente: há coisas sobre os homens que as mulheres nunca irão saber,
simplesmente por serem mulheres e vice e versa. É verdade.
Mas ele não deixou de me tranquilizar, entre um carinho e
outro, com a experiência de quem já é pai: sempre
nasce uma mãe quando nasce um bebê.
Estou grávida de mim mesma.
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